A Bíblia e Eu

14/06/2010 22:34

Comprei minha primeira Bíblia há 28 anos. Apesar de ter nascido num lar com influências cristãs, tinha acabado de experimentar a fé de modo real e significativo. Por isso, decidi assumir meu compromisso com Deus e com a Sua Palavra. Aquele livro volumoso de capa preta pesava como um tijolo todas as vezes que eu passava diante dos meus amigos a caminho da igreja. A Bíblia era para mim muito mais do que uma coleção de textos religiosos antigos. Era a Palavra de Deus. Com esta crença minha vida foi sendo transformada à medida que eu me dedicava a sua leitura e estudo.

Hoje me perguntam se ainda creio assim. Minha resposta é: Sim! Considero a Bíblia como Palavra de Deus. Isto significa que eu acredito que a Bíblia seja um livro soprado por Deus (theopneustos). O que não significa que a Bíblia seja um livro que caiu do céu. Em vez disso, ela é uma coleção de livros escritos por seres humanos plenos em suas faculdades mentais, num longo processo de composição dirigido pelo próprio Deus. Sendo assim, a Bíblia é palavra de Deus através das palavras dos homens.

Minha razão para crer assim não é antiintelectual. Ao contrário, é fruto de muita reflexão e estudo sobre a natureza das Escrituras e o papel que as mesmas desempenharam na vida de Jesus, dos primeiros cristãos e na história da Igreja nos últimos dois milênios.

Rejeito uma visão liberal em relação à Bíblia. Tal visão é fruto de influências do deísmo e racionalismo Iluminista. Incapaz de conceber intervenções sobrenaturais de Deus, surgiu a necessidade de desconstruir as narrativas bíblicas em que há relatos sobrenaturais reduzindo-as a meras fábulas e mitos. A maioria dessas desconstruções são baseadas em muitas teorias e poucas evidências. Por incrível que pareça, as propostas liberais relacionadas à Bíblia são ultrapassadas. Todavia continuam cativando novos estudantes de teologia fascinados por “idéias novas” e aqueles que preferem uma explicação natural para as narrativas bíblicas por não terem fé suficiente para crer em um Deus capaz de fazer milagres.

Rejeito o enfoque liberal da Bíblia porque o mesmo é herético. Como disse Roger Olson em seu livro “História das Controvérsias na Teologia Cristã” (p. 133-134):

O enfoque liberal da Bíblia é herético por negar ou solapar completamente a autoridade inigualável da Escritura. O problema não é os pensadores liberais tentarem fazer justiça à qualidade humana da Escritura, mas seu modelo de inspiração da Escritura não consegue fazer justiça à qualidade divina da Bíblia. Nas mãos deles a Bíblia se torna um romance histórico ou uma poderosa obra de ficção que molda comportamentos e moralidades ao criar um mundo habitável. Para muitos pensadores liberais, a verdade objetiva da Bíblia correspondente à realidade é irrelevante. O que realmente importa é seu poder de transformar a vida das pessoas para melhor. O foco não está na autoria da Escritura – divina ou humana – mas na autoria exercida pela Escritura sobre os leitores e nas respostas deles.
No entanto, surge naturalmente a pergunta: Se Deus não é de modo especial, ou sobrenatural, o autor maior da Escritura, por que crer que ela é inigualável ou especial? Por que outro livro não poderia ter um efeito de transformação espiritual e pessoal igualmente eficaz?

Rejeito uma visão liberal da Bíblia não porque sou um cristão ingênuo que desconhece a Alta Crítica, a Teoria Documental e outras calçadas no racionalismo anti-sobrenaturalista. Estou bem consciente de tais teorias, após tê-las estudado diversas vezes nos últimos 20 e poucos anos e não ter encontrado nelas nada de novo, somente uma repetição de velhas fórmulas e pressupostos construídos um em cima de outro sob a aparência de ciência da religião.

Finalmente, rejeito uma visão liberal da Bíblia porque considero tal visão incoerente com qualquer projeto de seguir Jesus que não passe do seguimento de um mero rabino judaico com alucinações messiânicas, que nunca fez nenhum milagre, foi vítima do Império Romano e cuja ressurreição é apenas uma forma de expressar que ele continua vivo na mente de seus seguidores. Quando se abre espaço para descartar trechos da Bíblia como se fossem meros mitos, abre-se espaço para que toda a Bíblia seja, pouco a pouco, descartada e perca qualquer autoridade de fé e prática. Se eu não acredito na travessia do Mar Vermelho, por que acreditaria na concepção imaculada de Cristo, em seus milagres, em sua ressurreição? Como alguém já disse: “Uma vez que permitamos que o verme corroa a raiz, não devemos ficar surpresos se os galhos, as folhas e os frutos, pouco a pouco, apodrecerem.”

John Stott disse:

Que sentido faz chamar Jesus de “Mestre” e “Senhor” para depois discordar dele? Sua visão das Escrituras deve tornar-se a nossa visão. (…) Toda a evidência disponível confirma que Jesus Cristo consentiu em sua mente e submeteu-se em sua vida à autoridade do AT… [Portanto] submissão às Escrituras é para nós, um sinal de nossa submissão à Cristo.

Norman Geisler concorda com isso ao dizer:

Como os estudiosos cristãos liberais alegam ser seguidores de Cristo, é inconsistente, da sua parte, rejeitar o que o próprio Cristo ensinou a respeito da Bíblia. Como existem firmes evidências, mais abundantes do que as que existem para outros livros da antiguidade, de que os documentos do Novo Testamento são historicamente confiáveis, um exame minucioso dos Evangelhos revela que Jesus ensinou que a Bíblia é a Palavra de Deus divinamente inspirada e portadora de autoridade. Então, como os liberais podem se considerar seguidores dos ensinos de Jesus, se negam um dos ensinos essenciais de Jesus, a saber, que a Bíblia é a Palavra de Deus? (Norman Geisler, Teologia Sistemática, p. 335)

Por estas razões e muitas outras é que rejeito uma visão liberal da Bíblia. Minha escolha por uma visão das Escrituras que honre seu caráter divino sobrenatural é uma escolha baseada na coerência intelectual com a fé que abracei, mais do que uma escolha de fé em si.

 

Rev. Baggio

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